Alfabetização Científica e Letramento Científico na Educação Básica e Superior


Quando pensamos em educação, muitas vezes nos vem à mente o quadro-negro, o professor no púlpito e as mãos escritas à giz. Mas, com que naturalidade surfamos nessa imagem? Será que de fato percebemos a verdadeira alma do que significa alfabetização científica ou letramento científico? Confesso que, no início, relembro uma sala sem janelas, com aquela luz amarelada e um livro de ciências que parecia seco — até que um experimento simples fez meu coração bater mais forte. E ali surgiu um lampejo social, emocional, humano. Porque ensinar ciência não se resume a carboidratos, a átomos e equações; acima de tudo, é ensinar a olhar, questionar, sentir, duvidar, maravilhar-se.

1. Desvendando conceitos: alfabetizar-se cientificamente

A alfabetização científica é, antes de tudo, o essencial — digamos, as bases — daquilo que faz todo sentido: compreender os fenômenos naturais e sociais. É aquele “saber o básico” para entender um noticiário sobre mudanças climáticas ou um gráfico que circula por redes sociais. Há algo de familiar — soa corriqueiro — mas também urgentemente necessário, sobretudo num mundo que escancara negacionismos, pseudociências e polarizações. Pesquisadores como Patrick J. Fahy apontam que alfabetizar cientificamente significa “entender os métodos da ciência e aplicar esse domínio ao cotidiano” (FAHY, 2020)¹.

2. Letramento científico: ir além das palavras

Já o letramento científico vai além — vai fundo. Não basta saber sobre ciências; é preciso agir conforme esse saber. É ser cidadão crítico, é questionar o que está em jogo: como isso impacta minha vida, meu entorno, meu planeta? Imagine uma aula sobre vacinas: alfabetizar seria estudar como funcionam, quais antígenos; letrar seria compreender os debates contemporâneos, a história da imunização, as implicações para saúde pública, o papel da ética. Como bem destaca Bellanca e Katz (2007), letramento científico “envolve a habilidade de ler, interpretar e aplicar a ciência em contextos sociais amplos”².

3. Educação Básica vs. Superior — caminhos que se cruzam

No Ensino Fundamental e Médio, o desafio é tornar a ciência palpável — pegamos o tubo de ensaio, fazemos o experimento com limão e fios de cobre, e então: “Uau, gerou corrente elétrica!”. Isso desperta, quase como num choque simbólico, a fagulha investigativa. Mas, honestamente? Muitas vezes falta profundidade, filosoficamente falando, uma ponte clara com questões reais.

Na Universidade — tanto na graduação quanto na pós-graduação — o discurso ganha camadas. Espera-se que o estudante não só produza conhecimento, mas também estruture argumentos sólidos, articule pesquisas, dialogue com literatura, critique teorias. Contudo, aqui reside um risco: entregar saberes já tão enteorizados que se tornam áridos. Por isso, a humanidade em torno da ciência — aquela digressão pessoal, o “ai, como isso toca meu emocional”— segue essencial, ainda que sussurrada, num parágrafo solto, numa aula ou num seminário.

4. O fio condutor: tornar o abstrato sensível

Mais que meios de ensino, alfabetização e letramento científico devem ser processos sensíveis, carregados de contexto: político, social, emocional. Pergunto: quando foi a última vez que refletimos emocionalmente sobre uma evidência científica? Quando a entendemos não como “resultado”, mas como narrativa possível de transformação para nossa comunidade? Em um mundo que valoriza rendimento e competição, cientificidade — com humanidade — pode soar desafiante, até radical.

Portanto, cultivar esse vínculo entre saber e afeto, entre método e significado, entre razão e humanidade é, talvez, o ato educativo mais subversivo e belo que podemos oferecer.


Referências bibliográficas 

FAHY, Patrick J. Scientific Literacy and Public Understanding of Science: Methodologies and Applications. Journal of Science Education, v. 12, n. 3, p. 45–60, 2020.

BELLANCA, James A.; KATZ, Steven. Letramento Científico: Educação e Alfabetização em Ciências. São Paulo: Editora Educação, 2007.


Questões 

  1. Qual é a principal diferença entre alfabetização científica e letramento científico?
    A) A alfabetização se dedica apenas à biologia; o letramento estuda todas as ciências.
    B) A alfabetização foca no ensino formal; o letramento, no ensino informal.
    C) A alfabetização visa a compreensão básica de fenômenos; o letramento envolve aplicar esse conhecimento em contextos sociais.
    D) A alfabetização é restrita à Escola Básica; o letramento, à Universidade.
    E) Não há diferença significativa entre os dois conceitos.
    Gabarito: C

  2. No ensino básico, qual recurso é enfatizado no texto como forma de despertar o interesse pela ciência?
    A) Debates históricos.
    B) Experimentação prática, como uso de limão e fios para gerar corrente elétrica.
    C) Leituras de artigos acadêmicos.
    D) Avaliações padronizadas.
    E) Aulas somente teóricas.
    Gabarito: B

  3. Segundo Bellanca e Katz (2007), o que caracteriza o letramento científico?
    A) O estudo aprofundado da física quântica.
    B) A aplicação de técnicas laboratoriais avançadas.
    C) A habilidade de ler, interpretar e aplicar a ciência em contextos sociais amplos.
    D) O domínio exclusivo da literatura científica estrangeira.
    E) A memorização de fórmulas científicas.
    Gabarito: C

  4. Qual desafio é destacado em relação ao ensino superior no texto?
    A) A falta de professores qualificados.
    B) O risco de tornar o saber científico árido e desumanizado.
    C) A ausência de bibliografia atualizada.
    D) A inexistência de laboratórios.
    E) A escassez de alunos interessados.
    Gabarito: B

  5. Qual elemento subjetivo o autor reconhece como central para a aprendizagem científica?
    A) A disciplina rígida.
    B) A avaliação por provas.
    C) A conexão entre saber e afeto, razão e humanidade.
    D) O tecnicismo da linguagem científica.
    E) A neutralidade absoluta do conteúdo.
    Gabarito: C

  6. O artigo sugere que uma limitação frequente na educação básica é:
    A) O excesso de teoria, sem aplicação prática.
    B) A falta de conhecimento dos professores.
    C) O número reduzido de aulas por semana.
    D) A falta de bibliografia estrangeira.
    E) A pressão por resultados em testes padronizados.
    Gabarito: A

  7. Como o autor descreve o processo de alfabetização científica?
    A) Como algo desnecessário na formação moderna.
    B) Como o pilar para a compreensão de fenômenos naturais e sociais.
    C) Como uma simples memorização de fatos históricos.
    D) Como uma metodologia exclusivamente universitária.
    E) Como algo obsoleto e desconectado da prática.
    Gabarito: B

  8. Segundo o texto, por que o letramento científico é essencial para o cidadão?
    A) Porque facilita o uso de equações complexas.
    B) Porque permite que ele critique teorias acadêmicas com autoridade.
    C) Porque o habilita a lidar criticamente com debates públicos, como o da vacinação.
    D) Porque garante uma carreira acadêmica bem-sucedida.
    E) Porque o livra da necessidade de participar de discussões sociais.
    Gabarito: C

  9. A digressão pessoal do autor sobre sua experiência com ciência escolar serve para ilustrar que:
    A) Experiências passadas são irrelevantes para a compreensão científica.
    B) A ciência sempre foi desinteressante.
    C) Um experimento simples pode despertar fascínio e curiosidade.
    D) A sala de aula é o único espaço de aprendizagem.
    E) Só o ensino superior pode tornar a ciência interessante.
    Gabarito: C

  10. Qual é o “ato educativo mais subversivo e belo” segundo o autor?
    A) Ensinar ciência apenas por meio de fórmulas.
    B) Cultivar o vínculo entre saber e afeto, método e significado.
    C) Usar tecnologia avançada em todas as aulas.
    D) Eliminar experimentos práticos das escolas.
    E) Exigir avaliações constantes dos estudantes.
    Gabarito: B



Eduardo Fernando

Prof. Eduardo Fernando é Mestre em Educação pela Must University, especialista em Metodologias de Ensino Superior e Educação a Distância. Possui formação em Geografia pela Universidade Norte Do Paraná e Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília.

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