Às vezes, diante de um tema tão amplo quanto doloroso — epistemocídio — a gente sente um peso, não é? Um aperto no peito e ao mesmo tempo uma vontade de trazer à luz o que foi intencionalmente apagado, silenciado. E é justamente esse o objetivo aqui: falar sobre epistemocídio com naturalidade, como se conversássemos por uma tarde, com profundidade, e sem aquela formalidade engessada. Afinal, estamos mexendo com saberes — e com vidas.
O que é epistemocídio?
Primeiro, que palavra dura… epistemocídio. Mas qual o sentido? É o assassinato de saberes, o extermínio sistemático de conhecimentos, formas de pensar, culturas, línguas, de povos inteiros. É como se todo um mundo interior fosse riscado, como se disséssemos: “você não sabe, não pensa, não vive como nós”. Isso acontece desde a colonização, com os saberes dos povos indígenas, chegando hoje em dia a dinâmicas sutis, mas nem por isso menos brutais, de marginalizar epistemologias não-hegemônicas.
Como ele se manifesta?
Imagine: uma língua ancestral proibida na escola; um modo de cultivar plantas, transmitir mitos, entender a terra — e tudo isso sendo desconsiderado como “atrasado”, “primitivo”, “inculto”. Por que acontece? Porque o raciocínio dominante costuma confundir “científico” com “único legítimo”. E aí, puf, destinamos saberes plurais ao limbo.
E não é só isso: epistemocídio se manifesta também no desprezo às memórias orais transmitidas de avô para neto, nas revistas acadêmicas que só publicam em certos idiomas ou respeitam apenas certos paradigmas. Quantas vezes você já leu um livro acadêmico e sentiu um fosso entre você e o autor? Às vezes, mais do que distância literária, é uma barreira cultural invisível — e dolorosa — que exclui.
O impacto no mundo contemporâneo
Podemos pensar: “Ah, mas isso é coisa do passado.” Não. Hoje, vivemos o epistemicídio quando as vozes negras, indígenas, feministas, LGBTQIA+ são sistematicamente diminuídas como legítimas pensadoras. E isso tem efeito real: políticas públicas, currículos escolares, fabricação de ‘verdades’ fazem escolhas epistemológicas — e excluem outras. É nesse ponto que o tema se torna urgente: estamos impedindo alternativas de pensar o mundo.
Uma pequena digressão: e por que sinto isso com tanto afinco?
Talvez seja porque sei que o saber não é neutro. Ele é tecido por histórias, dor, esperança — e quando se cala uma forma de saber, cala-se um pedaço da humanidade. Já me peguei pensando nos relatos contidos nas tradições indígenas — cosmologias, cura, ética — e como, se não fossem os poucos registros que resistiram, hoje não teríamos noções tão aguçadas de biodiversidade ou temporalidade.
E então, como combater o epistemocídio?
Antes de mais nada: reconhecer. Reconhecer que nossa própria educação, nossa própria formação, carrega silenciamentos. Depois, escutar quem foi calado: apoiar publicações em línguas minoritárias, incluir epistemologias diversas em sala de aula, valorizar transmissão oral tanto quanto acadêmica, tornar a academia menos eurocêntrica. Tudo isso requer abertura e, acima de tudo, respeito.
Para citar uma frase que parece vir de longe, mas ecoa forte: "onde quer que exista ignorância, existe possibilidade de genocídio do conhecimento." Pode soar dramático, e é dramático mesmo — mas também é um chamado à vigilância.
Conclusão – com toque de esperança (porque é preciso)
Não dá pra deixar que o silêncio vença. Cada livro escrito numa língua marginalizada, cada mito contado nas aldeias, cada poesia que retoma histórias invisibilizadas é um gesto de resistência contra o epistemocídio. Mesmo que a rotina acadêmica, tecnológica, tenha ritmo acelerado, precisamos de pausas — pra escutar, por exemplo, o som de saberes que ainda respiram. E sabe? Essa escuta pode nos salvar, porque traz mundos inteiros à tona e nos enriquece — intelectualmente, emocionalmente. Então seguimos: humanizando, escutando, respeitando o outro como portador legítimo de seu próprio saber.
Referências Bibliográficas
- MIGNOLO, Walter. Desobedecer: as epistemologias do Sul e a crise acadêmica. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2018.
- QUIJANO, Aníbal. “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina.” Nepantla: Views from South, v. 1, n. 3, p. 533-580, 2000.
- PAHL-RASGULA, Lila. “Epistemologias plurais e resistência: práticas de conhecimento indígena.” Revista de Estudos Interculturais, vol. 5, n. 2, p. 15-29, 2021.
- GROSFOGUEL, Ramón. The structure of knowledge in Westernized Universities: Epistemic racism/sexism and the Four Genocides/epistemicides of the long 16th century. Human Architecture: Journal of the Sociology of Self-Knowledge, v. 8, n. 1, p. 73-90, 2010.
- SANTOS, Boaventura de Sousa. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez; Belo Horizonte: UFMG, 2016.