Novas Diretrizes para Licenciaturas: O Que Muda com a Resolução CNE/CP nº 4/2024?



Em julho de 2024 entrou em vigor a Resolução CNE/CP nº 4/2024, um marco importante na regulamentação da formação inicial de professores no Brasil. Essa normativa do Conselho Nacional de Educação (CNE) atualiza e substitui diretrizes anteriores e passa a nortear os cursos de licenciatura, formação pedagógica para graduados não licenciados e segunda licenciatura. O objetivo é garantir uma formação mais robusta, integrada e sintonizada com as necessidades reais da Educação Básica.

Mas o que isso significa na prática? O que muda para quem quer ser professor? Neste artigo, vamos explicar os principais pontos da nova resolução, seus fundamentos, organização curricular, exigências para as instituições de ensino superior (IES) e impactos para os estudantes.


1. Formação Docente como Projeto Nacional

A nova resolução reafirma que formar professores é uma responsabilidade de Estado e deve estar articulada com as políticas públicas de educação e com as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). As IES que oferecem cursos de licenciatura devem alinhar seus currículos ao seu próprio Projeto Pedagógico Institucional (PPI), ao Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e às demandas dos sistemas de ensino estaduais e municipais.

Além disso, é estabelecida a necessidade de uma colaboração efetiva entre universidades e redes públicas, tanto na formação dos licenciandos quanto na construção das práticas de estágio e extensão.


2. Fundamentos e Princípios da Formação

A resolução baseia-se em quatro pilares centrais:

  • Domínio dos conhecimentos que serão ensinados;
  • Formação epistemológica, técnica e ética sólida;
  • Integração entre teoria e prática pedagógica;
  • Compreensão e enfrentamento das desigualdades educacionais.

Entre os princípios fundamentais, destacam-se o compromisso com a justiça social, a inclusão e valorização da diversidade, a formação cidadã e a articulação entre ensino, pesquisa e extensão. A educação é vista como um instrumento de emancipação e transformação social.


3. Base Comum Nacional e Perfil do Egresso

Os cursos devem garantir uma base comum nacional que articule:

  • Educação como processo contínuo e emancipador;
  • Práxis docente como união entre teoria e prática;
  • Compreensão crítica das diferentes realidades escolares.

O egresso da licenciatura deve sair apto a:

  • Compreender e aplicar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC);
  • Planejar e conduzir aulas inclusivas;
  • Usar tecnologias digitais com intencionalidade pedagógica;
  • Atuar com ética, criticidade e sensibilidade às diversidades;
  • Participar da gestão escolar e da construção coletiva de propostas pedagógicas.

4. Estrutura Curricular: Quatro Núcleos Fundamentais

A estrutura dos cursos é organizada em quatro núcleos principais:

Núcleo I – Formação Geral

Compreende estudos sobre fundamentos da educação, diversidade, ética, cidadania, políticas públicas e gestão. São 880 horas nos cursos de licenciatura.

Núcleo II – Conteúdos Específicos

Aprofundamento nas áreas de conhecimento específicas para o exercício docente (ex: Matemática, Geografia, Letras etc.). Totaliza 1.600 horas na licenciatura, sendo ao menos 880 horas presenciais mesmo nos cursos a distância.

Núcleo III – Atividades de Extensão

Projetos educativos desenvolvidos com escolas e comunidades, promovendo a integração entre universidade e sociedade. São 320 horas presenciais obrigatórias, mesmo para cursos EAD.

Núcleo IV – Estágio Curricular Supervisionado

Com carga mínima de 400 horas presenciais, distribuídas ao longo do curso, o estágio busca promover a aproximação entre formação acadêmica e prática profissional em escolas.


5. Cursos de Segunda Licenciatura

A nova resolução também regulamenta os cursos de segunda licenciatura, voltados a professores que desejam atuar em outra área.

A carga horária varia conforme a proximidade entre as formações:

  • 1.200 horas para áreas afins (ex: História e Geografia);
  • 1.800 horas para áreas distintas (ex: Letras e Matemática).

Esses cursos devem seguir o mesmo modelo de núcleos curriculares e exigem a realização presencial do estágio e das atividades de extensão. Há ainda a possibilidade de redução de até 100 horas de estágio para quem já está em exercício docente.

A resolução também inclui um anexo com tabelas de equivalência entre áreas para orientar quais formações são consideradas semelhantes. Veja abaixo.



6. Formação Pedagógica para Bacharéis e Tecnólogos

Outro ponto importante é a regulamentação dos cursos de formação pedagógica, voltados a bacharéis e tecnólogos que desejam lecionar. Com carga mínima de 1.600 horas ao longo de dois anos, esses cursos têm foco na atuação no Ensino Médio e na Educação Profissional de nível médio.

Importante: esses cursos não formam pedagogos e não habilitam para a docência na Educação Infantil ou nos anos iniciais do Ensino Fundamental.


7. Modalidade EAD: Regras Mais Rígidas

A resolução estabelece critérios claros para cursos de licenciatura a distância:

  • Parte da carga horária deve ser obrigatoriamente presencial, especialmente nos núcleos de prática, estágio e extensão;
  • Nos cursos de formação pedagógica e segunda licenciatura, também há percentuais mínimos de carga horária presencial;
  • O estágio supervisionado não pode ser remoto em nenhuma hipótese.

Isso significa que a EAD continua sendo uma opção viável, mas com maior exigência de controle de qualidade e experiências reais em escolas.


8. Transição e Avaliação

As instituições terão até dois anos para se adequar às novas diretrizes. Todos os cursos em andamento deverão ser atualizados, e novos pedidos de autorização passarão por critérios mais rígidos.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) será responsável por criar novos instrumentos de avaliação, tanto para os cursos quanto para o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).


9. Foco na Docência Real: Diversidade e Transformação

A resolução é clara ao afirmar que o professor deve ser preparado para atuar em contextos reais, com suas múltiplas desigualdades e complexidades.

Isso inclui a promoção da educação antirracista, a valorização das culturas indígenas e quilombolas, a abordagem crítica das relações de gênero, a inclusão de estudantes com deficiência e a articulação com temas contemporâneos como sustentabilidade e direitos humanos.

O professor deixa de ser apenas um "repetidor de conteúdo" e passa a ser entendido como agente transformador da sociedade.


Com relação às áreas de conhecimento, uma pessoa formada em Geografia pode cursar uma segunda licenciatura em Letras em menos tempo?


Segundo a Resolução CNE/CP nº 4, de 29 de maio de 2024, a carga horária mínima da segunda licenciatura varia de acordo com a área da formação original e a nova habilitação desejada, com base no grau de equivalência entre as áreas.


✔️ Geografia e Letras são consideradas áreas diferentes


De acordo com o Anexo I da Resolução, temos:


Geografia está na área de Ciências Humanas.


Letras (Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna etc.) está na área de Linguagens.


Portanto, não há equivalência direta entre essas áreas, e nesse caso a carga horária mínima é a mais alta prevista pela norma.


⏳ Quanto tempo dura a segunda licenciatura entre áreas diferentes?


Quando a área da segunda licenciatura é diferente da formação original, o curso deve ter:


Carga horária mínima: 1.800 horas.


Duração mínima: 2 anos e meio.


Presencialidade obrigatória: estágio, atividades de extensão e parte dos conteúdos específicos devem ser presenciais mesmo em cursos EAD.


✅ Quando seria possível cursar em menos tempo?


A carga horária pode ser reduzida para 1.200 horas (com duração mínima de 1 ano e meio) somente quando as duas formações são da mesma área.


Exemplos:


História → Geografia ✅ (mesma área: Ciências Humanas)


Biologia → Química ✅ (mesma área: Ciências da Natureza)


Letras → Artes ✅ (mesma área: Linguagens)


⚠️ Importante:


Mesmo que o profissional de Geografia já atue como professor, não é permitido fazer a segunda licenciatura em Letras com a carga reduzida, pois não há equivalência de áreas segundo a resolução.



Conclusão

A Resolução CNE/CP nº 4/2024 representa um avanço importante e necessário na valorização da formação de professores. Ao propor uma base comum nacional, articulada com as realidades das escolas e com o compromisso de uma educação democrática, justa e inclusiva, ela oferece uma nova perspectiva para o magistério brasileiro.

É fundamental, porém, que as instituições de ensino superior se mobilizem para garantir a implementação efetiva dessas diretrizes. Mais do que adequações formais, trata-se de uma revolução pedagógica e política, que recoloca a docência como centro de um projeto de país que valoriza a educação pública e de qualidade para todos.


Se você é estudante de licenciatura, professor em formação ou gestor educacional, vale a pena ler a resolução na íntegra e acompanhar as mudanças nos projetos pedagógicos dos cursos. Afinal, formar professores é, acima de tudo, formar o futuro do Brasil.



Eduardo Fernando

Prof. Eduardo Fernando é Mestre em Educação pela Must University, especialista em Metodologias de Ensino Superior e Educação a Distância. Possui formação em Geografia pela Universidade Norte Do Paraná e Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem