O nome de um país carrega mais do que letras: traz histórias, visões de mundo e disputas de sentidos. Quando falamos sobre o nome “Brasil”, nos deparamos com uma narrativa que vai muito além da madeira avermelhada que encantou os europeus no século XVI. A origem desse nome é, ao mesmo tempo, um marco da colonização e o silenciamento de cosmovisões indígenas que nomeavam esse território bem antes da chegada dos portugueses.
Uma terra com muitos nomes
Antes de se chamar Brasil, essa terra já era chamada de muitas formas. Povos indígenas, com suas línguas e saberes plurais, tinham formas próprias de designar os espaços que habitavam. O território que hoje chamamos de Brasil não era uma unidade política, mas um vasto mosaico de povos como os Tupinambá, os Guarani, os Yanomami, os Pataxó, os Tikuna e tantos outros, cada um com seu idioma, seu modo de vida e sua geografia simbólica. Para os Tupinambá, por exemplo, o termo “Pindorama” significava “terra das palmeiras”, uma referência afetiva e identitária ao espaço que ocupavam.
Esse nome, Pindorama, ressurge hoje como símbolo de resistência cultural. Reivindicado por movimentos indígenas e artistas, ele nos lembra que o Brasil existia antes do Brasil, sob outras lógicas, outras formas de ocupar o espaço e compreender o mundo.
A chegada dos portugueses e a nomeação colonial
A chegada dos portugueses em 1500 não foi apenas um marco cronológico: foi uma ruptura epistêmica. A forma como eles olharam para essa terra foi marcada por seus interesses econômicos, religiosos e imperiais. Logo, o que antes era Pindorama passou a ser visto como “terra de pau-brasil”, uma árvore valiosa, cuja madeira avermelhada era usada para produzir tinta.
E foi daí que veio o nome Brasil, derivado da palavra “brasa”, pela cor do pau-brasil, e do termo em latim brasilia, usado para designar madeiras avermelhadas. O nome que ficou foi o nome dado por quem chegou — e não por quem sempre esteve aqui.
Além de "Brasil", os portugueses deram outros nomes ao território durante os primeiros anos de colonização. Esses nomes refletiam percepções religiosas, econômicas ou simbólicas. Veja alguns deles:
1. Terra de Vera Cruz
Significado: "Terra da Verdadeira Cruz"
Contexto: Foi o primeiro nome oficial dado pelos portugueses, com forte conotação religiosa cristã.
Ano: 1500, logo após a chegada da expedição de Pedro Álvares Cabral.
Motivo: Acreditava-se que a missão era cristianizar os nativos e expandir a fé católica.
2. Terra de Santa Cruz
Significado: "Terra consagrada à Santa Cruz de Cristo"
Contexto: Substituiu "Vera Cruz" pouco tempo depois, mas manteve a simbologia cristã.
Ano: Usado principalmente entre 1501 e 1503.
Motivo: Reforçava o papel evangelizador da coroa portuguesa no Novo Mundo.
3. Terra dos Papagaios
Significado: Referência à abundância de aves tropicais coloridas.
Contexto: Nome informal, usado por marinheiros e viajantes.
Motivo: Impressão visual marcante da fauna local.
4. Terra do Brasil
Significado: Terra do pau-brasil, madeira de cor vermelha usada para tingir tecidos.
Contexto: Nome que acabou se consolidando no uso oficial e popular.
Ano: Tornou-se dominante a partir de meados do século XVI.
Motivo: Forte interesse comercial no pau-brasil como produto de exportação.
A invisibilização dos saberes originários
Essa nomeação colonial não foi apenas uma escolha de nomenclatura, mas um gesto de poder. Ao nomear, os portugueses impuseram sua forma de ver e organizar o território. Ignoraram os nomes indígenas, suas cosmologias, seus mapas mentais e espirituais. Assim, o Brasil foi construído também como um projeto de apagamento.
Infelizmente, essa lógica continua presente em muitas estruturas atuais. A história oficial ensinada nas escolas por muito tempo silenciou os povos originários, suas línguas e suas contribuições para a formação do país. Quantas vezes ouvimos falar em Pindorama fora do contexto da literatura infantil ou de textos alternativos?
Resgatar os nomes, resgatar as memórias
Falar de Pindorama hoje é um ato político. É lembrar que os nomes carregam memórias, e que os povos indígenas continuam presentes, resistindo, criando, ensinando. A revalorização dos saberes indígenas passa também pelo reconhecimento da diversidade linguística e pela escuta ativa das vozes que foram historicamente silenciadas.
Pindorama não é só um nome bonito: é um símbolo de uma outra forma de pensar o território, em que a natureza, o sagrado e a coletividade se entrelaçam. É uma chave para reimaginar o Brasil — um Brasil mais justo, plural e verdadeiramente diverso.
Um país com múltiplas camadas
É curioso perceber como convivemos com camadas de história sem nos darmos conta. O nome “Brasil” que escrevemos todos os dias nos documentos, que gritamos em jogos de futebol ou cantamos em hinos, é fruto de um processo de colonização que deixou marcas profundas. Mas há outras camadas, como a de Pindorama, que resistem e nos convidam a repensar o país para além do que nos ensinaram.
Será que estamos preparados para reconhecer que o Brasil é, e sempre foi, mais do que uma colônia? Que sua identidade não começa em 1500, mas muito antes disso?
Referências Bibliográficas
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