Introdução
Em um mundo cada vez mais acelerado, onde a lógica do mercado atravessa até mesmo o espaço da escola, pensar uma educação que parte do chão que se pisa, das raízes que se reconhecem e da realidade que se vive, é mais do que uma proposta: é um ato de resistência. A pedagogia da Terra e a pedagogia da alternância surgem, nesse contexto, como movimentos educativos que desafiam o distanciamento entre teoria e prática, entre escola e comunidade, entre saber e fazer. São pedagogias que se nutrem da vida no campo, dos saberes populares e da luta por dignidade.
1. A pedagogia da Terra: entre território e identidade
A pedagogia da Terra nasce do próprio território, mas não apenas como espaço físico. Trata-se de uma pedagogia que reconhece a Terra como sujeito educativo. É a terra cultivada, a terra sonhada, a terra pela qual se luta. Inspirada por movimentos sociais como o MST, essa pedagogia valoriza a história, a cultura e as práticas dos povos do campo.
Na prática, ela se materializa em escolas rurais que não tentam reproduzir o modelo urbano, mas constroem currículos contextualizados, conectados ao cotidiano da agricultura familiar, das lutas camponesas e da sustentabilidade. Nesses espaços, plantar, colher, construir e refletir fazem parte do mesmo processo formativo.
2. O surgimento da pedagogia da alternância: quando o tempo da escola se alterna com o da vida
A pedagogia da alternância é uma resposta ousada e criativa a um velho dilema: como educar sem retirar o jovem do seu meio? Ela propõe um modelo em que os alunos passam períodos alternados entre a escola e a família, entre a teoria e a prática, entre o saber acadêmico e o saber da terra.
Mais do que uma metodologia, trata-se de uma filosofia de educação baseada no diálogo, no protagonismo dos estudantes e no reconhecimento das famílias como coeducadoras. Criada originalmente na França, em meados do século XX, e trazida ao Brasil por educadores engajados, a alternância tem se consolidado especialmente em escolas-família agrícola e casas familiares rurais.
3. Educação contextualizada: uma ruptura necessária com a lógica dominante
Tanto a pedagogia da Terra quanto a da alternância rompem com a ideia de uma educação neutra, padronizada e distante da realidade social dos estudantes. Elas colocam no centro do processo educativo o território, a cultura e a vida concreta dos sujeitos.
Essa educação contextualizada desafia o currículo tradicional ao incluir temas como agroecologia, economia solidária, cooperativismo, conflitos fundiários, direitos dos povos do campo e história local. A escola deixa de ser apenas um repositório de conteúdos e se torna um espaço de transformação social.
4. A escuta como prática pedagógica
Um dos elementos centrais dessas pedagogias é a escuta. O educador não é o detentor do saber que o distribui unilateralmente. Ele é, antes, um mediador atento, capaz de perceber o que a comunidade tem a dizer. O processo educativo parte da realidade, mas também da escuta sensível e respeitosa do outro.
A escuta, nesse sentido, é mais do que uma técnica: é um gesto político. Ouvir a terra, ouvir o jovem, ouvir os mais velhos da comunidade é um ato de valorização do conhecimento popular e de reconstrução das relações de poder na escola.
5. Resistência, pertencimento e autonomia
Educar a partir da Terra é também educar para a resistência. Em tempos de avanço do agronegócio, de grilagem de terras e de desmonte das políticas públicas para o campo, afirmar uma pedagogia que valoriza o campesinato é, em si, uma ação contra-hegemônica.
Mas essa resistência não se dá apenas em termos de denúncia. Ela também é afirmação: de identidades, de sonhos coletivos, de modos de vida. A pedagogia da alternância, por exemplo, fortalece o pertencimento dos jovens ao campo e evita o êxodo rural. Promove a autonomia intelectual e produtiva, pois forma sujeitos capazes de pensar e agir em seu território.
6. Desafios e horizontes
É claro que há obstáculos. A falta de políticas públicas estruturantes, o preconceito contra a educação do campo, a dificuldade de infraestrutura nas escolas rurais e a valorização do urbano como ideal ainda marcam o cenário. Contudo, há uma força pulsante na experiência dessas pedagogias.
Elas não são modelos prontos a serem replicados, mas práticas vivas, em constante recriação. Cada território reinventa sua forma de educar, cada comunidade encontra suas estratégias. E talvez seja justamente essa maleabilidade, esse enraizamento local, que torne essas pedagogias tão potentes e necessárias em nosso tempo.
Conclusão
A pedagogia da Terra e a pedagogia da alternância nos convidam a olhar para a educação com outros olhos. Olhos que não apenas enxergam, mas sentem. Que reconhecem a Terra como mestra, e o aluno como protagonista. Que compreendem a escola como extensão da vida, e não como uma bolha isolada.
Num tempo de tantas desconexões, reencontrar-se com a terra — e com tudo o que ela representa — pode ser o primeiro passo para uma educação verdadeiramente transformadora.
Referências bibliográficas (ABNT)
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.
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SOUZA, Marieta de Moraes; NASCIMENTO, Cláudia Pereira do. Educação do campo: desafios para a formação de educadores. Brasília: MEC/Inep, 2008.
MOLINA, Mônica Castagna. Educação do campo e pedagogia da alternância: práticas e saberes em diálogo. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.