Yves Lacoste: o homem que fez a geografia falar de guerra

Você já ouviu aquela frase: “a geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra”? Pois é. Ela não foi dita por um general ou político — foi um geógrafo francês quem cravou isso com todas as letras. Seu nome? Yves Lacoste. Um nome que talvez você ainda não tenha escutado tanto, mas que carrega um peso enorme dentro das ciências humanas.

Vamos combinar: durante muito tempo, a geografia parecia aquela matéria parada, cheia de nomes de rios, climas e capitais. Nada contra saber onde fica o Himalaia ou quais são os biomas do Brasil, mas e o lado político da coisa? E as disputas de território? E o fato de que o mapa do mundo é, no fundo, um reflexo do poder? É aqui que Lacoste entra em cena, como quem puxa a cortina de um teatro e revela o enredo escondido por trás da paisagem.

O choque de 1976: geografia como arma de poder

Em 1976, Lacoste lançou um livro que virou um divisor de águas: A Geografia, isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Um título provocador, pra dizer o mínimo. Mas não era só uma frase de efeito. Ele queria mostrar que a geografia sempre foi usada pelos poderosos — governos, exércitos, corporações — para planejar ações, dominar territórios e manter o controle sobre regiões estratégicas.

Ele contou, por exemplo, como os Estados Unidos usaram o conhecimento geográfico para bombardear o Vietnã de forma “precisa”. Mas também mostrou como essa mesma geografia foi ensinada nas escolas de forma neutra, quase inofensiva, escondendo seu papel nos bastidores do poder.

Geopolítica: a geografia com sangue nas veias

Lacoste deu uma nova cara à geopolítica, um termo que tinha ficado malvisto depois de ser usado pelos nazistas para justificar expansionismos. Em vez de abandoná-la, ele a resgatou com uma abordagem crítica: entender os conflitos espaciais, os jogos de poder entre Estados, empresas e até grupos armados.

Ele fundou a revista Hérodote, onde publicou análises profundas sobre guerras, disputas por recursos e estratégias territoriais. Geopolítica, para ele, não era uma ciência fria. Era algo pulsante, vivo — e, sim, muitas vezes trágico.

O espaço não é neutro — nunca foi

Talvez o maior ensinamento de Lacoste seja este: o espaço geográfico é uma construção de interesses. Onde há estrada, tem disputa. Onde há fronteira, tem conflito. Onde há mapa, tem intenção. Pode parecer óbvio, mas foi preciso alguém como ele para lembrar disso com tanta força.

Pense nas favelas removidas para dar lugar a condomínios de luxo. Pense nas bases militares estrategicamente posicionadas. Pense nos desertos ricos em petróleo que viram palco de guerras. A geografia está em tudo isso — e não como coadjuvante, mas como protagonista.

Um saber que também pode libertar

Apesar da frase famosa falar de guerra, Lacoste também defendia o uso da geografia como ferramenta de resistência. Conhecer o espaço é também uma forma de proteger direitos, denunciar abusos e planejar cidades mais justas. Em outras palavras, se a geografia serve para dominar, ela também pode servir para resistir.

Em tempos de crise climática, urbanização acelerada e desigualdade social, o pensamento de Lacoste continua atual. Ele nos convida a olhar para o mundo com mais profundidade, a fazer perguntas desconfortáveis e a entender que cada espaço conta uma história — às vezes dolorosa, mas necessária de ser contada.

Um legado que vive no olhar crítico

Hoje, muitos professores e estudantes que falam de geopolítica talvez nem percebam, mas estão ecoando Lacoste. Sua obra nos ensinou que a geografia é tudo, menos neutra. É política, é estratégia, é vida em disputa.

E da próxima vez que você olhar um mapa, talvez se lembre dele. E talvez pergunte: quem desenhou esse mapa? Para quem ele serve?


Referências bibliográficas (ABNT)

LACOSTE, Yves. A geografia, isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas: Papirus, 1988.

LACOSTE, Yves. Geopolítica: o poder sobre o território. São Paulo: Bertrand Brasil, 2006.

RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny. Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.


Questões contextualizadas – Yves Lacoste e a Geopolítica

1. A frase “a geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra” está associada a qual autor?
A) Milton Santos
B) David Harvey
C) Yves Lacoste
D) Karl Ritter
E) Friedrich Ratzel
Gabarito: C – Lacoste cunhou essa frase em 1976.


2. O que Lacoste criticava na geografia ensinada nas escolas?
A) O uso excessivo de mapas digitais
B) A ausência de conteúdos ambientais
C) A neutralidade aparente, que escondia seu uso estratégico
D) A abordagem histórica sobre a formação do espaço
E) O excesso de foco em climas e vegetações
Gabarito: C – Ele criticava o ensino neutro, que mascarava o uso político da geografia.


3. Qual obra de Lacoste marca a retomada crítica da geopolítica?
A) Por uma Geografia Crítica
B) Geopolítica: o poder sobre o território
C) Espaço e Poder
D) A geografia, isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra
E) A Geografia e o Capital
Gabarito: D – Publicada em 1976, é sua obra mais emblemática.


4. Para Lacoste, o espaço geográfico é:
A) Um reflexo estático do meio natural
B) Um cenário neutro da ação humana
C) Um produto de conflitos e interesses políticos
D) Uma construção apenas cultural
E) Um campo exclusivo de estudo físico
Gabarito: C – Ele vê o espaço como disputado e construído por relações de poder.


5. A fundação da revista Hérodote teve como objetivo:
A) Publicar dados estatísticos sobre a França
B) Divulgar análises sobre recursos naturais
C) Promover a geopolítica como ciência crítica
D) Abandonar a geografia clássica em prol da economia
E) Publicar textos de geografia física aplicada
Gabarito: C – A revista foi o espaço de divulgação da nova geopolítica proposta por Lacoste.


6. A geopolítica nazista desacreditou o campo por:
A) Associá-lo à diplomacia internacional
B) Reduzir o espaço ao clima
C) Utilizá-lo para justificar expansionismos territoriais
D) Ignorar a economia global
E) Valorizar apenas o espaço urbano
Gabarito: C – Foi usada ideologicamente para justificar a expansão territorial.


7. Qual alternativa apresenta um exemplo contemporâneo da geopolítica no cotidiano?
A) O plantio de soja no Cerrado
B) O crescimento de redes sociais
C) A disputa por reservas de petróleo no Oriente Médio
D) O uso de bicicleta nas cidades
E) A extinção de espécies da fauna
Gabarito: C – A disputa por petróleo é um tema clássico da geopolítica.


8. Segundo Lacoste, o saber geográfico pode servir para:
A) Apagar fronteiras
B) Criar utopias futuristas
C) Dominar ou resistir
D) Neutralizar conflitos
E) Despolitizar o território
Gabarito: C – Ele defende que o conhecimento geográfico pode ser usado tanto para o domínio quanto para a resistência.


9. Quando Lacoste afirma que "o espaço nunca é neutro", ele está destacando:
A) O papel das montanhas como barreiras naturais
B) A neutralidade da geografia física
C) A influência das estações do ano sobre a ocupação humana
D) O fato de que todo espaço é construído por interesses
E) A ausência de conflitos na geografia urbana
Gabarito: D – Para ele, todo espaço carrega disputas e intencionalidades.


10. Lacoste contribuiu para a geografia ao:
A) Eliminar o estudo da geografia física
B) Defender o ensino neutro da disciplina
C) Reabilitar a geopolítica como ferramenta crítica
D) Substituir a geografia humana pela geografia técnica
E) Criar um modelo físico-matemático do espaço
Gabarito: C – Ele reintroduziu a geopolítica de forma crítica e atualizada.



Eduardo Fernando

Prof. Eduardo Fernando é Mestre em Educação pela Must University, especialista em Metodologias de Ensino Superior e Educação a Distância. Possui formação em Geografia pela Universidade Norte Do Paraná e Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília.

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