Você já se sentiu uma peça fora do tabuleiro, como se o mundo girasse por interesses que nunca passam perto da sua vida? Pois é. A sensação de estar à margem não é só sua. E não é à toa. O geógrafo baiano Milton Santos dedicou sua vida a estudar justamente isso: os efeitos da globalização e do que ele chamou de “democracia de mercado”.
Milton Santos não era qualquer um. Era um intelectual inquieto, desses que fazem a gente tirar o pensamento do piloto automático. Quando ele falava sobre o mundo moderno, não era com aquele encantamento meio ingênuo que muita gente tem com tecnologia, consumo e crescimento. Não. Ele olhava para tudo isso com um olhar crítico, quase indignado — e com razão.
A Ilusão da Globalização Feliz
A tal da globalização, você deve lembrar, chegou com promessas bonitas. Integração, progresso, acesso à informação. De certa forma, até cumpriu parte disso, é verdade. Estamos conectados como nunca. Mas, para Milton Santos, essa conexão tem dono. E ele não está nem aí para a equidade.
Segundo o autor, o que vivemos é uma globalização perversa, comandada por grandes corporações e instituições financeiras. É uma globalização que “vende” a ideia de um mundo aberto e democrático, mas, na prática, concentra poder e riqueza. E o que sobra para a maioria? Precariedade, instabilidade, desigualdade.
Democracia de Mercado? Que Democracia é Essa?
Aqui entra um dos conceitos mais poderosos (e assustadores) de Milton Santos: a democracia de mercado. À primeira vista, o termo até parece positivo — afinal, quem é contra a democracia? Mas essa, segundo Santos, é uma democracia de fachada.
Ela funciona mais ou menos assim: você tem liberdade... desde que consuma. Pode se expressar... desde que não questione o sistema. A lógica do mercado se impõe até sobre os direitos. Escolas públicas? Privatiza. Saúde? Privatiza. Água? Privatiza também. E se você não puder pagar? Bom, paciência.
A Técnica e o Território: Uma Relação de Poder
Milton Santos também chama atenção para o papel da técnica e da ciência nesse processo. Não se trata de negar os avanços tecnológicos — ele mesmo era um entusiasta da inteligência aplicada ao bem comum. Mas, em suas palavras, a técnica foi sequestrada pelos interesses do capital. O território, antes pensado como espaço de convivência, se torna palco de dominação.
A cidade vira mercadoria. O campo vira negócio. As pessoas viram números. E o planeta, infelizmente, vira um tabuleiro de xadrez onde poucos mexem as peças.
Outro Mundo é Possível?
Apesar da crítica forte, Milton Santos não era um pessimista derrotado. Pelo contrário. Ele acreditava em um “outro globalismo”, construído a partir das experiências locais, das resistências cotidianas, da solidariedade e da justiça social. Um mundo onde a técnica e o território estivessem a serviço da vida — e não do lucro.
E sabe do que mais? A gente já vê isso acontecendo, aqui e ali. No quilombo que planta para alimentar a comunidade. No coletivo urbano que luta por moradia digna. Na escola pública que vira espaço de afeto, resistência e transformação. É pouco? Talvez. Mas é semente.
Pensar é Resistir
Num tempo em que o senso crítico é sufocado por algoritmos e distrações, parar para refletir com alguém como Milton Santos é, por si só, um ato de resistência. É lembrar que o mundo não precisa ser assim — e que ele pode, sim, ser diferente.
Pensar o território, a técnica, o consumo, a democracia... tudo isso é um convite à ação. Porque, como dizia o próprio Santos, “o mundo pode ser outro”. E talvez esteja mesmo nas nossas mãos reimaginá-lo.
Referências Bibliográficas (ABNT):
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 20. ed. Rio de Janeiro: Record, 2011.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 6. ed. São Paulo: Nobel, 2006.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2002.
Questões
1. De acordo com Milton Santos, a “democracia de mercado” é caracterizada por:
Resposta correta: CComentário: Milton Santos critica a democracia de mercado por submeter os direitos e serviços à lógica do capital, com perda de protagonismo do Estado.
2. O conceito de “globalização perversa”, segundo Milton Santos, está relacionado:
Resposta correta: CComentário: A globalização perversa é aquela em que os interesses financeiros determinam os rumos da sociedade.
3. Para Milton Santos, o território não deve ser visto apenas como espaço físico, mas como:
Resposta correta: CComentário: O território é compreendido como um espaço que reflete as relações humanas e sociais.
4. Segundo Santos, a técnica na globalização atual está:
Resposta correta: CComentário: Ele critica o uso da técnica subordinada ao capital, que amplia desigualdades.
5. Qual alternativa expressa corretamente a esperança de Milton Santos em relação ao futuro?
Resposta correta: DComentário: Milton Santos propõe um outro globalismo, mais justo e humano.
6. A crítica de Santos à globalização também atinge:
Resposta correta: CComentário: Ele aponta que o consumo passou a definir quem é ou não cidadão na lógica da democracia de mercado.
7. Para o autor, a cidadania plena só é possível:
Resposta correta: CComentário: Santos defende a humanização do uso da técnica, voltada para as necessidades reais da população.
8. A expressão “piloto automático” no texto faz referência:
Resposta correta: BComentário: É uma metáfora para indicar falta de reflexão crítica diante da realidade globalizada.
9. Em relação às cidades, Milton Santos as vê como:
Resposta correta: CComentário: Para ele, as cidades refletem as contradições da globalização, com forte exclusão social.
10. O “outro globalismo” proposto por Santos se baseia:
Resposta correta: CComentário: O autor acredita na potência das práticas locais como forma de enfrentar o modelo global excludente.