MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL: CAMINHOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS

 


Introdução

A alfabetização é uma das etapas mais fundamentais da educação, pois representa o momento em que a criança se apropria do código escrito e passa a utilizá-lo em diferentes contextos sociais. No Brasil, o tema sempre ocupou espaço central nas discussões pedagógicas, políticas e sociais, uma vez que as taxas de analfabetismo, ainda que em queda, continuam desafiando a escola pública e privada.

Ao longo da história, diferentes métodos de alfabetização foram aplicados, refletindo concepções distintas sobre a aprendizagem da leitura e da escrita. Desde os tradicionais métodos de soletração até as abordagens construtivistas, as práticas de sala de aula revelam não apenas técnicas de ensino, mas também visões de mundo, de sociedade e de educação.

Este artigo tem como objetivo apresentar os principais métodos de alfabetização utilizados no Brasil, discutir suas características, avanços, limites e refletir sobre os caminhos que podem contribuir para uma alfabetização mais inclusiva, significativa e eficiente.


1. O Método Alfabético: a tradição das cartilhas

O método alfabético, também chamado de método da soletração, foi um dos mais antigos no Brasil. Sua lógica é simples: ensinar primeiro o nome das letras do alfabeto e, em seguida, combiná-las para formar sílabas e palavras.

As famosas cartilhas, como a "Cartilha Caminho Suave", marcaram gerações de brasileiros com a memorização de sequências como "ba, be, bi, bo, bu". A criança era treinada a repetir, memorizar e depois juntar as sílabas para reconhecer palavras.

Esse método teve grande adesão porque oferecia um processo sistemático, no qual os pais também podiam acompanhar as lições em casa. No entanto, uma das críticas mais recorrentes é que a leitura resultante era muitas vezes mecânica e pouco significativa, sem relação direta com o uso social da linguagem escrita.


2. O Método Fônico: letra e som em conexão

O método fônico ganhou força especialmente nas últimas décadas, com respaldo em estudos linguísticos e neurológicos que enfatizam a importância da consciência fonológica para a alfabetização.

Esse método ensina a criança a associar grafema (a letra escrita) e fonema (o som correspondente). Assim, antes de aprender que a letra "p" se chama "pê", a criança é levada a compreender que ela representa o som /p/.

Por exemplo, ao juntar /p/ + /a/, forma-se "pa". Dessa forma, a aprendizagem parte da relação direta entre sons e letras, o que facilita a decodificação e a leitura fluente.

A Política Nacional de Alfabetização (2019) adotou o método fônico como uma das principais diretrizes, sob o argumento de que ele fortalece as bases cognitivas para a leitura. No entanto, há críticas de que sua aplicação isolada pode transformar a alfabetização em um processo estritamente técnico, sem vínculos com práticas de leitura contextualizadas.


3. O Método Silábico: aprendendo com as tabelas

O método silábico foi, durante muito tempo, o mais popular nas escolas brasileiras. Nele, a ênfase está na memorização das tabelas silábicas, que apresentam combinações como "pa, pe, pi, po, pu".

Esse método costuma ser visto como uma evolução do alfabético, porque já incorpora a ideia de que a leitura se constrói por unidades maiores que as letras isoladas. A criança aprende a reconhecer sílabas e, a partir delas, forma palavras e frases.

Embora eficaz em alguns contextos, sua principal limitação está no caráter mecânico e repetitivo, o que pode gerar desinteresse ou dificultar a compreensão de que a leitura é uma prática social mais ampla do que apenas juntar sílabas.


4. O Método Global: do todo para as partes

Na contramão dos métodos analíticos (que partem das letras ou sílabas), o método global valoriza o aprendizado a partir do todo. A criança é introduzida diretamente a palavras e frases completas, geralmente relacionadas ao seu cotidiano, para depois decompor esses elementos em sílabas e letras.

Influenciado pela Escola Nova e pelas teorias da Gestalt, esse método ganhou espaço no Brasil especialmente nas décadas de 1930 e 1940. Ele foi defendido por educadores que acreditavam que a leitura deveria nascer do sentido e do contexto, e não de fragmentos sem significado.

Entretanto, o método global recebeu críticas por dificultar o entendimento das regras do sistema alfabético, já que a criança poderia memorizar palavras inteiras sem compreender a lógica da escrita.


5. O Construtivismo e a Psicogênese da Língua Escrita

A partir da década de 1980, o Brasil vivenciou uma verdadeira revolução nas práticas de alfabetização com a chegada das ideias da psicóloga argentina Emília Ferreiro e sua teoria da Psicogênese da Língua Escrita.

Diferente dos métodos tradicionais, essa abordagem não prescreve uma sequência fixa de ensino, mas defende que a criança constrói hipóteses sobre a escrita, passando por diferentes níveis de compreensão.

Nesse modelo, o papel do professor é propor situações reais de uso da escrita (bilhetes, histórias, listas, cartazes) e acompanhar as hipóteses das crianças, ajudando-as a avançar no entendimento do sistema alfabético.

Essa perspectiva trouxe avanços importantes, como a valorização da função social da leitura. Contudo, em algumas aplicações, houve o risco de negligenciar a sistematização do ensino do código, o que gerou debates intensos no campo educacional.


6. O Método Multissensorial: integração de canais de aprendizagem

O método multissensorial é uma abordagem mais recente, inspirada em princípios da neurociência e da educação inclusiva. Ele defende que a alfabetização deve ativar múltiplos canais sensoriais: visão, audição, tato e movimento.

Por exemplo, a criança pode aprender a letra "a" não apenas vendo-a escrita, mas também cantando, desenhando-a com o dedo na areia ou dramatizando palavras que a contenham. Essa diversidade de estímulos facilita a aprendizagem de crianças com diferentes estilos cognitivos e também beneficia alunos com dificuldades específicas, como a dislexia.

Esse método não é excludente, podendo ser combinado com outras práticas, como o ensino fônico ou atividades construtivistas, o que o torna bastante flexível.


7. A alfabetização hoje: necessidade de equilíbrio

Na atualidade, é consenso entre pesquisadores e professores que nenhum método isolado é suficiente para dar conta da complexidade da alfabetização. O processo envolve, ao mesmo tempo, o domínio técnico do sistema alfabético e a inserção em práticas sociais significativas de leitura e escrita.

Por isso, a proposta mais defendida é a de uma abordagem equilibrada, que contemple:

  • O desenvolvimento da consciência fonológica (como no método fônico).
  • A valorização da função social da leitura (como no construtivismo).
  • A diversidade de estratégias lúdicas e multissensoriais.
  • A garantia de sistematicidade e progressão no ensino, para que nenhuma criança fique para trás.

Esse equilíbrio é fundamental diante dos desafios do Brasil, onde ainda há altos índices de analfabetismo funcional e desigualdades de acesso à educação de qualidade.


Criadores e Difusores dos Métodos de Alfabetização


1. Método Alfabético (ou da Soletração)


Origem: Europa, Idade Média.

No Brasil: difundido com as primeiras cartilhas (século XIX).

Não possui um criador específico, pois surgiu da tradição escolar de soletrar as letras.

Exemplo marcante no Brasil: Branca Alves de Lima, autora da famosa Cartilha Caminho Suave (1964).


2. Método Fônico


Origem: Século XIX, nos estudos linguísticos e fonológicos.

Criador/Difusor: Rudolph Flesch, autor de Why Johnny Can’t Read (1955), foi um dos maiores defensores internacionais.

No Brasil: difundido por pesquisadores ligados à linguística aplicada e fortalecido pela Política Nacional de Alfabetização (2019).


3. Método Silábico


Origem: Século XIX.

Criador: Domingos José Gonçalves de Magalhães, pedagogo português, é citado como um dos primeiros a sistematizar esse método em cartilhas.

No Brasil: muito presente em cartilhas do início do século XX.

Não tem um único criador, mas foi amplamente difundido por editores escolares.


4. Método Global (ou de Palavras Inteiras)


Criador: Ovid Decroly (1871–1932), médico e pedagogo belga.

Baseia-se em suas ideias sobre a Escola Ativa e no princípio da Gestalt (aprender do todo para as partes).

Difundido no Brasil por educadores ligados ao movimento da Escola Nova (décadas de 1930–40).


5. Construtivismo – Psicogênese da Língua Escrita


Criadora: Emília Ferreiro (1937–2023), psicóloga e pesquisadora argentina, em parceria com Ana Teberosky.

Fundamentado na teoria de Jean Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo.

Introduzido no Brasil nos anos 1980 e influenciou fortemente os currículos escolares.


6. Método Multissensorial


Criador/Difusor: Samuel Torrey Orton (1879–1948), neurologista norte-americano, em parceria com a educadora Anna Gillingham.

Conhecido como método Orton-Gillingham, foi pensado especialmente para crianças com dislexia.

No Brasil, vem sendo adaptado em propostas de educação inclusiva e alfabetização lúdica.


Em resumo:


Alfabético/Silábico → sem criador único, tradição escolar, popularizados por cartilhas.

Fônico → difundido por Rudolph Flesch (EUA).

Global → criado por Ovid Decroly (Bélgica).

Construtivista → criado por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (Argentina).

Multissensorial → criado por Samuel Orton e Anna Gillingham (EUA).


Conclusão

A trajetória dos métodos de alfabetização no Brasil revela muito mais do que técnicas de ensino: ela expressa a própria história da educação brasileira, marcada por disputas teóricas, mudanças políticas e desafios sociais.

Se, de um lado, os métodos tradicionais garantiram sistematicidade e disciplina, de outro, as abordagens mais recentes trouxeram valorização da criança como sujeito ativo e do uso social da escrita.

Hoje, o grande desafio é integrar diferentes perspectivas, reconhecendo que a alfabetização não é apenas ensinar a juntar letras e sílabas, mas possibilitar que a criança leia o mundo e transforme sua realidade. O futuro da alfabetização no Brasil depende, portanto, da construção de práticas pedagógicas que sejam ao mesmo tempo científicas, inclusivas e humanizadoras.



Eduardo Fernando

Prof. Eduardo Fernando é Mestre em Educação pela Must University, especialista em Metodologias de Ensino Superior e Educação a Distância. Possui formação em Geografia pela Universidade Norte Do Paraná e Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília.

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