Resumo
O presente artigo discute a crescente violência contra escolas no Brasil e no mundo, a partir de dados recentes da UNESCO que apontam aumento de 44% nos ataques a instituições educacionais em 2024. A análise estabelece uma comparação entre contextos distintos: de um lado, países em zonas de guerra, como no Oriente Médio e na África; de outro, a realidade brasileira, marcada pela violência urbana, pela precariedade das políticas públicas e pela atuação de grupos criminosos. O objetivo é problematizar as causas, consequências e desafios dessa questão, bem como apontar caminhos possíveis para a garantia da escola como espaço de proteção social e direito fundamental. A metodologia consiste em revisão bibliográfica e análise crítica de relatórios internacionais e nacionais. Conclui-se que a violência contra escolas revela a incapacidade dos Estados em assegurar a educação como direito humano básico, sendo necessária a implementação de políticas concretas e coordenadas em nível local e global.
Palavras-chave: violência escolar; UNESCO; Brasil; guerras; direito à educação.
Introdução
A violência contra escolas, embora não seja um fenômeno novo, tem se intensificado nos últimos anos, tornando-se um problema global de grande impacto social. Em 2024, a UNESCO divulgou que os ataques a instituições educacionais aumentaram em 44% em comparação com o ano anterior, resultando em cerca de 85 milhões de jovens fora da escola devido a guerras, deslocamentos forçados e crises humanitárias. Esse dado escancara a fragilidade da educação enquanto espaço de proteção e direito humano universal.
Embora o problema seja mais visível em países marcados por conflitos armados, como Síria, Iêmen e Sudão do Sul, o Brasil também se encontra em um cenário preocupante. Ataques em massa em escolas, tiroteios em áreas periféricas e ameaças constantes nas redes sociais revelam que a violência escolar transcende fronteiras e contextos. O ambiente escolar, que deveria ser um espaço de convivência e desenvolvimento humano, passa a ser um reflexo direto das tensões sociais que atravessam os territórios onde está inserido.
Este artigo busca discutir a violência contra escolas como um fenômeno multifacetado, analisando seus impactos globais e nacionais, com foco no caso brasileiro. Além disso, pretende-se refletir sobre o papel das organizações internacionais, como a UNESCO, e a necessidade de políticas públicas efetivas para transformar a denúncia em ações concretas. Ao estabelecer esse diálogo, pretende-se contribuir para o debate sobre a proteção da escola como núcleo central de proteção social e garantia de futuro.
Metodologia
A presente pesquisa adota uma abordagem qualitativa e interpretativa, com base em revisão bibliográfica e análise documental. A metodologia foi estruturada em três etapas principais: levantamento de dados secundários, análise crítica de relatórios internacionais e nacionais, e construção de uma reflexão comparativa sobre a realidade brasileira e a internacional.
Na primeira etapa, realizou-se um levantamento de dados publicados por organismos multilaterais, como UNESCO, UNICEF e GCPEA, além de relatórios nacionais sobre violência escolar no Brasil. Foram também analisados artigos científicos, teses acadêmicas e livros que discutem tanto a violência em zonas de conflito quanto a violência urbana que afeta escolas brasileiras.
Na segunda etapa, buscou-se articular esses dados em uma perspectiva crítica, estabelecendo paralelos e diferenças entre os contextos analisados. Essa análise permitiu identificar pontos de convergência, como a vulnerabilidade estrutural das escolas diante da ausência ou fragilidade do Estado, e pontos de divergência, como a diferença entre ataques planejados em guerras e a violência difusa no Brasil. Por fim, a terceira etapa consistiu em elaborar propostas reflexivas, com foco na formulação de políticas públicas e ações internacionais que possam reduzir os impactos da violência escolar.
1. A violência escolar como problema global
1.1 Escolas em zonas de conflito
Em regiões como o Oriente Médio e partes da África, a escola deixou de ser vista como espaço neutro e tornou-se alvo estratégico em conflitos armados. Ataques a instituições de ensino têm o objetivo de enfraquecer comunidades, destruir futuros e perpetuar ciclos de miséria e instabilidade. Nessas áreas, professores são perseguidos, crianças são recrutadas por grupos armados e a educação é sistematicamente negada.
A instrumentalização da violência contra escolas nesses territórios vai além da destruição física de prédios e materiais. Ela se insere como estratégia de guerra psicológica, na medida em que impede populações de se reorganizarem socialmente. Sem acesso à educação, comunidades inteiras ficam mais vulneráveis a manipulações, ao alistamento forçado e ao prolongamento da violência.
Diversos relatórios internacionais destacam que, em contextos de guerra, escolas são usadas como bases militares, depósitos de armamento e até mesmo locais de tortura. Esse tipo de apropriação criminosa viola frontalmente tratados internacionais e revela a gravidade da crise humanitária associada à educação. Nesse cenário, a violência contra escolas não é um efeito colateral, mas uma tática planejada.
1.2 Estatísticas internacionais
De acordo com a Global Coalition to Protect Education from Attack (GCPEA), mais de 6 mil ataques a escolas foram registrados em 2022 em mais de 30 países. A UNESCO, por sua vez, aponta que o ano de 2024 registrou um aumento expressivo desses números, reforçando a necessidade de atenção internacional. Esses dados demonstram que a violência escolar não é localizada, mas parte de um processo estrutural ligado a crises políticas e militares.
Essas estatísticas também revelam que o impacto não é uniforme: regiões de conflito crônico, como a Faixa de Gaza, Afeganistão e Nigéria, concentram boa parte dos episódios. Entretanto, mesmo países considerados relativamente estáveis têm registrado incidentes relacionados a ataques deliberados contra escolas, ampliando o alcance do problema. Isso demonstra que a violência educacional tem múltiplas causas, desde disputas territoriais até extremismos religiosos e políticos.
É importante destacar que, por trás dos números, há vidas interrompidas. Crianças que deixam de estudar dificilmente conseguem retomar a trajetória escolar após anos de deslocamento ou trauma. A exclusão educacional gera consequências de longo prazo, incluindo desemprego, instabilidade social e perpetuação da pobreza. Assim, os dados quantitativos precisam ser compreendidos também em sua dimensão qualitativa e humana.
2. A realidade brasileira
2.1 Violência urbana e escolar
No Brasil, o fenômeno da violência escolar assume contornos particulares. Não há guerra declarada, mas a violência urbana impacta diretamente a rotina das instituições de ensino. Tiroteios em áreas periféricas obrigam o fechamento de escolas, e massacres em instituições de ensino, ainda que menos frequentes, têm chocado o país pela brutalidade. Esses episódios revelam um entrelaçamento entre a violência social e o ambiente escolar.
Além dos episódios de violência letal, há também a violência cotidiana, mais silenciosa, que se manifesta em agressões, ameaças e intimidações contra professores e colegas. Essa violência interpessoal, muitas vezes invisibilizada, desgasta o ambiente de aprendizagem e contribui para o abandono escolar. Assim, a violência não se limita a grandes tragédias, mas se infiltra nas relações diárias dentro da escola.
Outro aspecto preocupante é o uso das redes sociais para disseminar ameaças de ataques, gerando pânico generalizado em comunidades escolares. Esse fenômeno, associado ao discurso de ódio e à radicalização de jovens em ambientes virtuais, amplia a sensação de insegurança e coloca em evidência a necessidade de políticas digitais de prevenção à violência.
2.2 O ambiente escolar como reflexo da sociedade
A violência escolar no Brasil reflete desigualdades históricas e estruturais da sociedade. Escolas localizadas em periferias e áreas de maior vulnerabilidade social são as que mais sofrem com tiroteios, ocupações policiais e ameaças de grupos criminosos. Isso mostra como a violência escolar não pode ser dissociada do território em que a escola está inserida.
Além disso, a precariedade da infraestrutura escolar reforça a vulnerabilidade. Muitas escolas não possuem muros adequados, sistemas de segurança ou suporte psicológico para lidar com traumas. Assim, a escola, que deveria ser um espaço protegido, torna-se reflexo da ausência de políticas públicas eficazes e da negligência histórica com a educação pública.
Por fim, é preciso destacar que a escola, em muitos casos, é um dos poucos espaços de socialização em territórios marcados pela violência. Quando esse espaço também é contaminado pela insegurança, cria-se um vácuo social que amplia a vulnerabilidade de crianças e adolescentes. Assim, a violência escolar não é apenas um reflexo da sociedade, mas também um fator que contribui para a perpetuação da exclusão social.
3. Comparações possíveis: semelhanças e diferenças
3.1 A lógica da vulnerabilidade
Apesar de ocorrerem em contextos distintos, tanto os ataques em zonas de guerra quanto a violência urbana no Brasil revelam a mesma lógica: a vulnerabilidade da escola diante da ausência ou ineficiência do Estado. Em ambos os casos, a instituição escolar deixa de ser um espaço protegido e passa a ser alvo ou reflexo das tensões externas.
Essa vulnerabilidade é agravada pela naturalização da violência. Em países em guerra, ataques a escolas passam a ser compreendidos como “parte do conflito”. No Brasil, a violência cotidiana em torno das escolas muitas vezes é encarada como inevitável, resultado da “realidade urbana”. Esse processo de banalização da violência dificulta a criação de políticas efetivas de enfrentamento.
Portanto, é possível afirmar que, embora os cenários sejam diferentes, a fragilidade do Estado em assegurar o direito à educação cria pontos de convergência. Seja pela omissão diante de ataques armados, seja pela incapacidade de proteger escolas em territórios violentos, o resultado é o mesmo: a negação de um direito fundamental.
3.2 Diferenças contextuais
As diferenças entre a violência em zonas de guerra e no Brasil também precisam ser destacadas. Em territórios de conflito armado, os ataques a escolas geralmente são planejados e fazem parte de estratégias militares. No Brasil, embora massacres e ameaças também sejam premeditados em alguns casos, a maior parte da violência que afeta as escolas deriva de um ambiente urbano inseguro, marcado pela presença de facções criminosas e pela ausência de políticas públicas de segurança adequadas.
Outro ponto de divergência é o nível de destruição material. Nos conflitos armados, escolas inteiras são demolidas por bombardeios, inviabilizando qualquer tentativa de retorno às aulas. No Brasil, apesar de episódios trágicos, a violência muitas vezes não destrói fisicamente a escola, mas compromete a sua função social, tornando-a um espaço de medo constante. A destruição, portanto, é simbólica e relacional, minando a confiança da comunidade escolar.
Além disso, em contextos de guerra, a interrupção do processo educacional tende a ser prolongada por anos ou até décadas. No Brasil, a suspensão das aulas por conta da violência urbana costuma ser temporária, mas frequente, gerando um efeito cumulativo de perda de aprendizagem. Assim, enquanto a guerra impõe um colapso absoluto, a violência urbana brasileira resulta em uma erosão lenta e contínua da qualidade da educação.
3.3 O papel das organizações internacionais
As organizações internacionais, como a UNESCO e o UNICEF, desempenham um papel fundamental na denúncia e monitoramento da violência contra escolas. Seus relatórios fornecem visibilidade global para um problema muitas vezes invisibilizado pelas autoridades nacionais. Ao quantificar ataques e mapear suas consequências, esses organismos reforçam a necessidade de ações coordenadas entre países e instituições.
No entanto, a atuação dessas organizações também encontra limites. As recomendações da UNESCO, por exemplo, muitas vezes não são vinculantes, o que significa que os Estados não são obrigados a segui-las. Isso resulta em um abismo entre a denúncia e a implementação de medidas concretas. No caso brasileiro, as orientações internacionais esbarram em políticas públicas fragmentadas e na falta de investimentos estruturais em segurança e infraestrutura escolar.
Apesar das limitações, é inegável que a pressão internacional pode gerar avanços. O fortalecimento de tratados, como a Declaração sobre Escolas Seguras (2015), evidencia uma tentativa de comprometer os Estados com a proteção da educação em contextos de violência. Contudo, transformar compromissos formais em práticas concretas continua sendo um dos maiores desafios da comunidade internacional.
4. Impactos da violência escolar
4.1 Consequências para os estudantes
As consequências da violência escolar para os estudantes são profundas e duradouras. Crianças e adolescentes expostos a episódios de violência apresentam maiores índices de evasão, baixo rendimento acadêmico e dificuldades de concentração. O medo constante compromete o processo de aprendizagem e gera um ambiente de insegurança emocional que limita o desenvolvimento cognitivo.
Do ponto de vista psicológico, a exposição contínua à violência pode resultar em traumas, ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Esses impactos ultrapassam o espaço escolar e afetam a vida social e familiar dos estudantes, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade. Assim, a violência escolar não deve ser vista apenas como problema educacional, mas também como questão de saúde pública.
Além disso, a evasão escolar causada pela violência contribui para o aumento da desigualdade social. Jovens que abandonam a escola por medo tendem a ter menos oportunidades no mercado de trabalho, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão. Portanto, os impactos da violência escolar não se restringem ao indivíduo, mas reverberam em toda a sociedade.
4.2 Consequências para professores e comunidade escolar
Professores e demais profissionais da educação também sofrem com os efeitos da violência. A insegurança afeta sua saúde mental, gera desmotivação e, em muitos casos, resulta em afastamentos ou abandono da carreira. A falta de apoio institucional e a precariedade das condições de trabalho intensificam esse quadro, criando um ambiente de vulnerabilidade para os educadores.
A comunidade escolar, por sua vez, perde a confiança na instituição educativa quando a violência se torna frequente. Famílias deixam de ver a escola como espaço de proteção e passam a considerar alternativas, como a transferência para outras instituições ou até mesmo a evasão definitiva. Esse processo fragiliza o vínculo entre escola e comunidade, dificultando a construção de redes de apoio e solidariedade.
Por fim, a violência contra professores impacta diretamente a qualidade do ensino. Educadores que trabalham sob constante ameaça tendem a reduzir seu engajamento pedagógico, limitando inovações e experimentações em sala de aula. Dessa forma, a violência escolar compromete não apenas a segurança, mas também a própria essência da prática educativa.
5. Caminhos possíveis e propostas de enfrentamento
5.1 Políticas públicas e segurança escolar
Um dos principais caminhos para enfrentar a violência escolar é o fortalecimento de políticas públicas voltadas para a proteção da comunidade escolar. Isso inclui investimentos em infraestrutura, como muros, câmeras de segurança e planos de evacuação, mas também medidas de natureza social, como programas de prevenção e integração comunitária.
Além da segurança física, é necessário investir em formação continuada de professores para lidar com situações de risco, violência e conflitos interpessoais. A capacitação deve ir além da simples resposta emergencial, abrangendo estratégias de mediação de conflitos, identificação de sinais de radicalização e apoio psicossocial.
Políticas públicas eficazes devem ainda integrar diferentes áreas, como educação, saúde, assistência social e segurança. A criação de protocolos intersetoriais de proteção pode reduzir a fragmentação das ações e garantir respostas mais rápidas e coordenadas em situações de crise.
5.2 O papel da sociedade civil
A sociedade civil também desempenha papel central no enfrentamento da violência escolar. Organizações não governamentais, movimentos sociais e associações comunitárias podem atuar na prevenção da violência por meio de projetos de apoio psicológico, atividades culturais e esportivas, além da criação de espaços de diálogo entre jovens, famílias e escolas.
A mobilização da sociedade é fundamental para romper com a lógica de banalização da violência. Quando comunidades se organizam em defesa da escola, aumentam as chances de transformar o ambiente educacional em espaço protegido e valorizado. Essa participação ativa pode pressionar o poder público e gerar mudanças significativas em políticas locais.
É igualmente importante destacar o papel das famílias na construção de uma cultura de paz. O fortalecimento do vínculo entre família e escola contribui para identificar precocemente situações de risco e evitar episódios mais graves. Nesse sentido, a corresponsabilidade entre Estado, comunidade e famílias é essencial para reduzir os impactos da violência escolar.
5.3 Cooperação internacional e direitos humanos
No âmbito internacional, é necessário fortalecer mecanismos de cooperação entre países para combater a violência contra escolas. Isso inclui a troca de experiências bem-sucedidas, o financiamento de programas educativos em áreas de risco e a criação de mecanismos mais eficazes de responsabilização de Estados que não protegem adequadamente suas instituições educacionais.
A defesa da escola como direito humano deve ser central em qualquer política global. Iniciativas como a Declaração sobre Escolas Seguras precisam ganhar maior adesão e efetividade, sendo incorporadas às legislações nacionais. Essa integração pode garantir maior proteção jurídica às comunidades escolares em contextos de violência.
Além disso, é fundamental que a comunidade internacional trate a violência contra escolas não apenas como consequência de conflitos, mas como violação autônoma dos direitos humanos. Reconhecer a educação como alvo estratégico da violência é passo fundamental para mobilizar recursos e criar mecanismos de proteção mais eficazes.
Conclusão
A violência contra escolas, seja em contextos de guerra ou em territórios urbanos como o Brasil, revela a fragilidade dos Estados em garantir o direito fundamental à educação. Embora os cenários sejam distintos, ambos demonstram a vulnerabilidade das instituições escolares diante de ameaças externas e da ausência de políticas eficazes de proteção.
A análise apresentada ao longo deste artigo permite afirmar que a violência escolar é um fenômeno multifacetado, que envolve dimensões políticas, sociais, econômicas e culturais. Os impactos vão além da interrupção do processo educacional, afetando profundamente estudantes, professores e comunidades inteiras. Nesse sentido, enfrentá-la exige mais do que medidas emergenciais: requer políticas públicas intersetoriais, cooperação internacional e participação ativa da sociedade civil.
Conclui-se que a escola deve ser compreendida como núcleo central de proteção social e promotora de direitos. Enquanto não forem implementadas medidas concretas que assegurem sua integridade, a educação continuará a ser atacada — seja pelas bombas de guerras internacionais, seja pela violência cotidiana que assombra os territórios urbanos brasileiros. Proteger a escola, portanto, é proteger o futuro das sociedades.