Resumo
A ressurgência oceânica é um dos fenômenos mais significativos da dinâmica marinha, responsável por renovar nutrientes, sustentar cadeias alimentares e promover a biodiversidade. O presente estudo busca compreender a relevância desse processo tanto para os ecossistemas quanto para as sociedades humanas que dele dependem. A metodologia utilizada fundamentou-se em revisão bibliográfica e análise documental de relatórios de organizações internacionais, além do estudo comparativo de três zonas de ressurgência de destaque: o sistema de Humboldt (Peru), o de Benguela (Namíbia) e o da região sul do Brasil. Os resultados apontam que a ressurgência não apenas fertiliza as águas superficiais, favorecendo a produção de fitoplâncton, mas também garante a manutenção de estoques pesqueiros que sustentam economias locais e globais. Contudo, identificaram-se impactos decorrentes das mudanças climáticas, que ameaçam alterar a frequência e a intensidade do fenômeno, gerando incertezas para a sustentabilidade oceânica. Conclui-se que compreender a ressurgência é essencial para a ciência oceanográfica e para a formulação de políticas públicas voltadas à preservação dos recursos marinhos.
Palavras-chave: Ressurgência; Oceanografia; Sustentabilidade Marinha
Introdução
O oceano é um sistema vivo, dinâmico e interdependente, em que processos físicos e biológicos se entrelaçam de maneira complexa. Entre esses processos, a ressurgência desempenha papel essencial ao promover a ascensão de águas profundas, ricas em nutrientes, para a superfície. Essa dinâmica garante a fertilização natural dos mares e a consequente explosão de vida em regiões específicas.
Ao longo da história, comunidades humanas que vivem próximas a zonas de ressurgência desenvolveram fortes laços de dependência com esse fenômeno, em especial por meio da pesca. Estima-se que mais de 20% da captura mundial de peixes esteja associada diretamente a áreas de ressurgência, que representam apenas 1% da superfície oceânica (FAO, 2022).
Do ponto de vista científico, autores como Bakun (1990) e Mann e Lazier (2006) destacam a relevância desse processo para a produtividade primária e para a regulação climática global. Assim, compreender a ressurgência é fundamental não apenas para explicar a dinâmica marinha, mas também para refletir sobre sua intersecção com questões socioeconômicas e ambientais contemporâneas.
Este artigo se propõe a analisar os impactos da ressurgência em diferentes dimensões: (i) sua dinâmica física, (ii) suas implicações ecológicas, (iii) suas repercussões socioeconômicas e (iv) os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Metodologia
A pesquisa adota abordagem qualitativa e caráter exploratório, baseada em revisão bibliográfica e documental. Foram consultados artigos científicos indexados em bases como Scopus e SciELO, publicados entre 1990 e 2023, além de relatórios da FAO e da UNESCO.
O recorte espacial concentrou-se em três sistemas de ressurgência amplamente reconhecidos pela literatura: o de Humboldt, no Peru; o de Benguela, na Namíbia; e o do litoral sul do Brasil. Esses casos foram selecionados por representarem diferentes contextos oceanográficos e sociais, permitindo análise comparativa.
Os dados foram organizados em categorias temáticas: dinâmica física, impactos ecológicos, repercussões socioeconômicas e relação com mudanças climáticas. A análise seguiu o método de análise de conteúdo (Bardin, 2011), o que possibilitou interpretação crítica e interdisciplinar.
1. Dinâmica Física da Ressurgência
A ressurgência é impulsionada por ventos que deslocam as águas superficiais, permitindo que águas frias e ricas em nutrientes ascendam do fundo. Esse movimento é influenciado pela força de Coriolis, que desvia massas de água em função da rotação da Terra.
As regiões de maior destaque são as margens orientais dos oceanos Pacífico e Atlântico, onde sistemas de alta produtividade biológica se desenvolveram. O sistema de Humboldt, por exemplo, sustenta algumas das maiores pescarias do mundo, especialmente de anchovetas, espécie vital para cadeias alimentares humanas e animais.
O sistema de Benguela, por sua vez, apresenta ciclos de intensa fertilidade intercalados com episódios de hipóxia (redução do oxigênio), fenômeno que evidencia a complexidade da dinâmica física envolvida (Mann & Lazier, 2006). Já no sul do Brasil, embora a ressurgência seja menos intensa e mais sazonal, ela desempenha papel importante para a biodiversidade regional e para a atividade pesqueira artesanal.
Portanto, ainda que as bases físicas sejam semelhantes, cada região revela particularidades que influenciam diretamente o funcionamento dos ecossistemas marinhos e a organização das sociedades costeiras.
2. Implicações Ecológicas da Ressurgência
A principal contribuição da ressurgência para o meio ambiente marinho está relacionada à fertilização das águas superficiais. Ao trazer nutrientes como nitrato e fosfato, ela possibilita a proliferação do fitoplâncton, organismo microscópico que sustenta a base da cadeia alimentar oceânica.
Esse aumento de biomassa desencadeia a multiplicação do zooplâncton, que por sua vez alimenta peixes, aves e mamíferos marinhos. Assim, ecossistemas de ressurgência são considerados “berçários da vida marinha”, abrigando biodiversidade em níveis muito superiores a outras áreas oceânicas.
Além disso, a ressurgência atua na regulação climática ao absorver dióxido de carbono atmosférico por meio da fotossíntese realizada pelo fitoplâncton. Esse processo contribui para mitigar parcialmente os efeitos das emissões de gases de efeito estufa, ainda que de forma desigual e regionalizada (Bakun, 1990).
Portanto, a relevância ecológica da ressurgência não se limita apenas à dimensão biológica, mas conecta-se também às discussões globais sobre clima e sustentabilidade.
3. Repercussões Socioeconômicas da Ressurgência
As regiões de ressurgência concentram algumas das mais importantes áreas de pesca do mundo. A captura de anchovetas no Peru, por exemplo, representa um dos maiores volumes de produção pesqueira global, sendo utilizada tanto para consumo humano quanto para a fabricação de farinha e óleo de peixe.
Na Namíbia, o sistema de Benguela sustenta economias locais por meio da pesca de sardinhas e cavalas, sendo vital para o sustento de milhares de famílias. No Brasil, embora em menor escala, a ressurgência no litoral sul favorece espécies como a sardinha-verdadeira, base da pesca artesanal em comunidades costeiras.
Entretanto, a dependência econômica da ressurgência gera vulnerabilidades. Oscilações naturais ou impactos antrópicos podem reduzir estoques pesqueiros, colocando em risco a segurança alimentar e a estabilidade econômica das comunidades. Isso evidencia a necessidade de políticas de manejo pesqueiro baseadas em ciência e voltadas para a sustentabilidade de longo prazo (FAO, 2022).
Em síntese, a ressurgência é não apenas um fenômeno natural, mas também um ativo econômico de alto valor, cuja gestão demanda integração entre ciência, sociedade e Estado.
4. Ressurgência e Mudanças Climáticas
Estudos recentes sugerem que as mudanças climáticas estão modificando padrões de vento e circulação oceânica, o que pode alterar a frequência e a intensidade da ressurgência (Bakun, 1990). Em algumas regiões, prevê-se intensificação do fenômeno; em outras, sua redução.
Essas alterações trazem consequências diretas para os ecossistemas marinhos e para a pesca. A intensificação pode gerar superprodução de algas nocivas e zonas mortas, enquanto a redução ameaça a disponibilidade de nutrientes e a sobrevivência de estoques pesqueiros.
Além disso, a elevação da temperatura dos oceanos pode afetar a estabilidade do fitoplâncton, comprometendo sua função de absorção de dióxido de carbono. Tal cenário amplia os riscos de retroalimentação climática, intensificando o aquecimento global.
Diante disso, torna-se imperativo investir em monitoramento oceanográfico e em modelos preditivos que auxiliem na adaptação das comunidades humanas e na gestão sustentável dos recursos marinhos.
Conclusão
O presente estudo evidenciou que a ressurgência é um processo vital para a vida nos oceanos e para a sobrevivência de milhões de pessoas que dependem direta ou indiretamente da pesca. Seu papel vai além da fertilização das águas: ela conecta ecologia, economia e sociedade em um mesmo sistema de interdependência.
No entanto, a ressurgência está longe de ser um fenômeno imutável. Os impactos das mudanças climáticas e a pressão sobre os recursos marinhos representam ameaças reais à sua estabilidade. Nesse contexto, compreender e monitorar a ressurgência torna-se fundamental para a ciência e para a formulação de políticas públicas que assegurem a sustentabilidade dos oceanos.
Como perspectiva futura, recomenda-se aprofundar estudos comparativos entre diferentes sistemas de ressurgência e desenvolver políticas integradas que considerem tanto a dimensão ecológica quanto a socioeconômica. Afinal, preservar a ressurgência significa não apenas proteger os mares, mas também garantir o futuro da humanidade.
Referências
- BAKUN, A. Global climate change and intensification of coastal ocean upwelling. Science, v. 247, n. 4939, p. 198-201, 1990.
- BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.
- FAO. The State of World Fisheries and Aquaculture. Rome: FAO, 2022.
- MANN, K. H.; LAZIER, J. R. N. Dynamics of Marine Ecosystems: Biological-Physical Interactions in the Oceans. 3. ed. Oxford: Blackwell Publishing, 2006.
- UNESCO. Ocean Science Report. Paris: UNESCO Publishing, 2020.
