Falar de montanhas pode soar simples à primeira vista. Afinal, quem nunca olhou para uma elevação imponente e pensou: "Isso aí com certeza é uma montanha"? Mas será mesmo que basta ser alto e íngreme para entrar nesse seleto clube geomorfológico?
Na verdade, definir uma montanha é um pouco mais complexo — e, por que não dizer, fascinante. Tradicionalmente, considera-se montanha uma elevação natural com altitude significativa (muitas vezes superior a 300 ou 600 metros em relação à base), encostas inclinadas e formas bem marcadas no relevo. Mas essa visão, ainda que útil, é limitada. Ela parte de critérios numéricos que nem sempre dão conta da diversidade geográfica do planeta, e muito menos de um país continental e multifacetado como o Brasil.
A geomorfologia, ramo da geografia física que estuda as formas da superfície terrestre, há muito reconhece que altitude não é tudo. O contexto importa — e muito. Uma elevação que, em um país como o Nepal, pareceria apenas uma colina, pode ser considerada montanha em regiões mais planas, como o semiárido brasileiro. A paisagem, o entorno, a forma como a elevação interage com os ecossistemas locais, tudo isso precisa entrar na equação.
É aí que entra o Sistema Brasileiro de Classificação do Relevo (SBCR). Essa proposta mais recente abandona os rótulos genéricos e busca uma classificação que leva em conta não só a altura, mas também a morfologia, a estrutura geológica e os processos que moldaram a elevação ao longo do tempo. Quer um exemplo? O relevo pode ter origem tectônica, vulcânica, erosiva... E essas origens diferentes contam histórias diferentes — sobre a Terra, sobre o clima, sobre a vida que ali floresceu.
E sabe o que é mais curioso? Por muito tempo, acreditou-se que o Nordeste brasileiro não tinha montanhas, apenas planaltos e algumas serras modestas. Mas agora, com os novos critérios do SBCR, estamos redescobrindo que sim, o Nordeste tem montanhas! Elas sempre estiveram lá, silenciosas, testemunhando séculos de história e transformação, mas invisíveis aos olhos de classificações ultrapassadas.
Então, da próxima vez que você estiver diante de uma grande elevação, talvez valha a pena perguntar: essa montanha é só um dado de GPS ou um marco geológico com alma própria? Porque montanha, mais do que um número no altímetro, é também paisagem, memória, identidade. E quando a gente reconhece isso, o relevo deixa de ser só "terra alta" e passa a ser parte viva do território.
Montanhas no Nordeste? Descubra as Altas Surpresas do Sertão Brasileiro
Quando pensamos em montanhas no Brasil, logo vêm à mente as serras do Sul ou da Região Sudeste, como a Mantiqueira ou o Espinhaço. Mas você sabia que o Nordeste também tem montanhas? E não são poucas! Uma nova classificação do relevo brasileiro revelou que essa região, muitas vezes associada a paisagens áridas e planas, guarda formações montanhosas de tirar o fôlego — e o Ceará lidera esse ranking.
Nova Classificação, Novas Perspectivas
O responsável por essa descoberta é o Sistema Brasileiro de Classificação do Relevo (SBCR), criado em 2019 por meio de uma parceria entre o IBGE, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e a União da Geomorfologia Brasileira. A proposta surgiu da necessidade de padronizar os estudos sobre relevo no país, pois havia muitas metodologias diferentes, dificultando a comparação entre mapas e dados.
A grande novidade é que, segundo o SBCR, formas de relevo com mais de 300 metros de amplitude altimétrica, com topos pontiagudos e encostas inclinadas, agora podem ser consideradas montanhas — mesmo que não sejam recentes ou formadas por colisões tectônicas ativas, como os Alpes ou os Andes.
O Ceará: Terra de Montanhas
Com essa nova visão, o Nordeste ganhou destaque, especialmente o estado do Ceará, que passou a ser reconhecido como o mais montanhoso da região. Entre os principais maciços e serras estão:
- Maciço da Meruoca – Altitudes acima de 900 metros, vegetação variada e forte ocupação urbana.
- Maciço de Uruburetama/Irauçuba – Formado por granitos fraturados, com paisagens marcadas por vales e inselbergs.
- Maciço de Baturité – Com picos de mais de 1.100 metros, mata úmida e destaque para o turismo e agricultura.
Outras montanhas cearenses importantes incluem a Serra do Machado e a Serra das Matas, onde está localizado o ponto mais alto do estado: o Pico da Serra Branca, com 1.159 metros de altitude.
Montanhas Também em Outros Estados
A nova classificação não beneficiou apenas o Ceará. Outras formações foram reconhecidas em estados como:
- Paraíba: Serra do Teixeira e Serra do Triunfo;
- Pernambuco: parte da Serra do Triunfo;
- Bahia: diversos complexos montanhosos, como as Serras das Cachoeiras e do Espinhaço.
Importância Ambiental e Econômica
Essas montanhas não são apenas belas paisagens — elas influenciam o clima, a vegetação e a biodiversidade local. Além disso, muitas dessas áreas têm potencial turístico, agrícola e cultural, sendo importantes fontes de renda para as comunidades da região.
O Maciço de Baturité, por exemplo, é um dos principais produtores de hortifrutigranjeiros do Ceará e atrai visitantes pelas suas trilhas, cachoeiras e clima ameno.
Por Que Isso é Tão Importante?
O reconhecimento das montanhas do Nordeste muda nossa forma de ver o território brasileiro. Ele valoriza paisagens antes subestimadas, abre portas para o turismo sustentável, fortalece a identidade regional e contribui para políticas de conservação e desenvolvimento local.
Além disso, traz um novo olhar para o ensino da geografia nas escolas, estimulando alunos a conhecerem melhor o relevo de sua região.
O Nordeste é muito mais do que caatinga e litoral. Com a nova classificação do relevo, conhecemos um lado elevado — e surpreendente — da região. As montanhas nordestinas agora ganham espaço nos mapas e merecem ganhar também um lugar de destaque na nossa valorização do território nacional.
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Pela nova classificação o Ceará é o Estado mais montanhoso do Nordeste. Na foto, o Maciço de Baturité | Foto: Leonardo Sousa |
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Maciço da Meruoca, a serra mais ocidental do Nordeste, com relevo acidentado, presença de vales suspensos e vertentes declivosas | Foto: Leonardo de Sousa Rodrigues |
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Maciço de Baturité, mostrando vales suspensos, picos e segmentos aplainados. Verifica-se ocupação por residências de veraneio mesmo em setores íngremes e elevados | Foto: Frederico de Holanda Bastos |
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